domingo, 26 de junho de 2011

Pelo menos uma vez.

Houve época em que eu corria sorrindo, olhava todos nos olhos, sem medo.
Houve época em que eu sonhava com crianças, casa barulhenta, almoços de domingo, cachorro derrubando tudo.
Depois, época em que eu só queria um trabalho. Em seguida, época em que eu só queria enxergar.
Depois, só queria estar viva, do jeito que fosse possível.
O tempo foi passando.
Descobri que ia viver e enxergar. Ponto pra mim. Então, fui levando como podia. Trabalho, pegava qualquer coisa. Qualquer coisa que me fizesse ter a sensação de ser útil e produtiva. Não tive uma carreira normal, encadeada. Tudo foi no improviso, sempre. Mas dava para ir levando.
Aos poucos voltei a sonhar com almoços de domingos e crianças, mas aí me disseram que provavelmente não iria rolar. Pelo menos não como eu sonhara, com crianças gestadas por mim, filhas de alguém que eu amasse. Tirei o útero. Foi como arrancar minha alma. Tentei me convencer de que já não faria diferença, pois os almoços de domingo não seriam os mesmos sem o meu pai. Mas fez diferença. Doeu.
Era  apenas mais uma dor. Já estava me acostumando com elas.
Aí achei que estava começando a mudar, que estava me apaixonando. E estava. Foram quase 10 anos num relacionamento doido, que terminou de forma dolorida, com um grau de agressividade e crueldade que jamais imaginei ser possível. Durante meses não derramei uma lágrima. Não podia. Fiquei doente. Desabei e pensei que não teria forças para recomeçar mais uma vez. Mas, aos poucos, juntei os pedacinhos. O olhar nunca mais foi o mesmo. Procuro por ele todos os dias e ele se foi.
Recentemente, passei a ter vontades de novo.
Voltei a sonhar com a casa cheia em almoços de domingos... cheia de  amigos. Voltei a sonhar com a minha casa. Voltei a sonhar em ter uma vidad organizada, coisa que não consegui até hoje. Voltei a sonhar em ter meu carro para viajar pelo interior como fazia quando meu pai era vivo. Voltei a sonhar em ter uma família.
Tenho 48 anos. Tenho medo de que não dê tempo de fazer essas coisas. Mas quero recuperar a alegria de batucar notas desconexas no violão ou rabiscar ensaios arrogantes em aquarela. Quero ouvir música. Quero deixar de morar num quarto na casa de minha mãe.
Quero ter a sensação de que não estou em vão nesse planeta, de que fiz algo que vale a pena. Vaidade? Talvez. Mas eu sou como qualquer outra pessoa. Quero, sim, sentir que acertei. Pelo menos uma vez.

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