quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Pai...

Hoje seria aniversário do meu pai. Gaúcho pobre da fronteira, de São Gabriel, que encontrou no exército a chance de se tornar um cidadão e mudar o rumo da sua vida. Alistou-se, foi para a Itália tomar parte na conquista de Monte Castelo. Voltou, como muitos, traumatizado com as coisas que viu e ouviu. Sua catarse era através de horas incontáveis assistindo a filmes de guerra e bang-bangs dos quais eu também aprendi a gostar só para estar sempre perto dele. Aprendi muitas coisas para poder estar sempre perto do meu pai: a carregar peso, a virar concreto, a consertar e lavar o carro, a trocar pneus, a mexer com eletricidade e eletrônica. Aprendi a amar a cultura gaúcha, cantando as músicas que lhe causavam tantas saudades. Aprendi a andar sem destino de carro, procurando coisas malucas em ferro-velhos de beira de estrada. A sair para  comprar um azulejo e acabar lá em Vargem Grande, quando ninguém falava no lugar. A passar horas nos quartéis, mesmo com ele estando já afastado. Gostava tanto que me sentia frustrada pelo fato de não poder estudar no Colégio Militar! O jeito foi me contentar com o Pedro II... rsrs Mas a coisa mais importante que meu pai me ensinou foi a não ter ciúmes. Ele, que era tão ciumento, me deu o melhor exemplo que podia dar justamente por me permitir ver o quanto era feio, o ciúme.
Ele era um cara bacana. Dele, herdei a atração pelo oculto, pelo místico, pela música, pela informação e pelo Direito. Gostaria de ter herdado, também, a generosidade, o carisma, a inteligência brilhante. Agradeço a meu pai por ter me apresentado a Hitchcock, numa madrugada em que permitiu que eu assistisse com ele a Os Pássaros, atração da sessão Coruja. Eu tinha uns 6 anos?? Acho que foi por aí. E foi aí que me apaixonei por cinema.
Meu pai era especial. Adorava cantar "Seu calça larga" e fazia isso com um sorriso  gaiato. Tocava acordeon algumas vezes, violão, sempre. E dançava. Isso eu não aprendi...rsrs E como todo bom negão, adora uma loira! kkkk
Olho para o capacete da FEB - Força Expedicionária Brasileira -, e me lembro dos poucos relatos que fazia sobre a Segunda Guerra. Nele, estão gravadas as cidades italianas por onde passou e que sempre disse que queria visitar de novo...
Ele nunca voltou a São Gabriel, embora tivesse ido muitas vezes ao Rio Grande. Tenho muitas perguntas sobre meu pai que nunca serão respondidas... Especialmente tentar entender como, no meio de toda a disciplina e dureza que ele tentava impor, havia espaço para tanta generosidade e amor ao próximo.
Saudades, pai.

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